- Como avalia a profissionalização do marketing de influência no mercado brasileiro?
Em primeiro lugar, é importante reconhecer que a sociedade está em plena transformação. O poder da internet, a revolução das redes sociais e o contexto disruptivo do marketing digital naturalmente trouxeram consigo a existência de novos protagonistas, em especial a figura dos Influenciadores Digitais - ou Digital Influencers, na versão em inglês.
Acreditamos que os Influenciadores Digitais estão num processo de ascensão, a adentrar em uma nova fase mercadológica, com potencial de os alçar a outro patamar institucional. Isso fica claro quando, por exemplo, vemos o Brasil reconhecer o Influenciador Digital como uma profissão, através de ato do Ministério do Trabalho e Previdência – MTP, viabilizado no primeiro semestre deste ano após um longo período de estudo e engajamento do órgão, inclusive com nossa ativa colaboração direta. Esse fato extraordinário tende a impulsionar uma série de outras ações e medidas paralelas, no caminho não apenas da profissionalização do mercado de influência, em todo seu ecossistema, como também no sentido de fomento e promoção do empreendedorismo digital.
- Considerando essa área de maneira geral, que pontos você avalia que a profissão avançou nos últimos anos?
O marketing de influência, enquanto área mercadológica, é por demais amplo, repleto de stakeholders e peculiaridades, de modo que não seria uma tarefa fácil avaliá-lo de maneira geral, sem a realização de alguns recortes analíticos. Digo isso, pois, poderíamos analisar avanços a partir de diversas visões, interesses e perspectivas, como das agências, das empresas, dos órgãos, dos entes de controle e fiscalização e de tantos outros agentes deste gigantesco ecossistema.
Diante disto, fazendo um recorte específico para a figura do Influenciador como epicentro desta vertente mercadológica, não há dúvidas que é de interesse máximo e uníssono de todos os agentes envolvidos no contexto do marketing de influência, que o Influenciador conquiste avanços institucionais e cresça em profissionalismo e excelência no exercício das suas atividades.
É justamente esse peso de conquistas que atribuímos à iniciativa do Brasil em decidir incluir o Influenciador Digital como uma das 2.269 ocupações reconhecidas como profissão pelo Ministério do Trabalho e Previdência – MTP. Agora, a atividade está devidamente contemplada e registrada na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO sob o nº 2534-10, passando o Influenciador a integrar oficialmente uma lista criteriosa que tem como desafio acompanhar o dinamismo do mercado de trabalho e mudanças estruturais nos cenários tecnológico, cultural, econômico e social, além de servir como subsídio para a formulação de políticas públicas em geral. Na medida que o Poder Público identifica e reconhece a categoria e as particularidades do ofício, os Influenciadores Digitais, na qualidade de cidadãos, trabalhadores e profissionais como quaisquer outros do mercado tradicional, sentem-se amparados, visibilizados, valorizados e incluídos socialmente, gerando extraordinários ganhos paralelos para todo o mercado do marketing de influência.
- Há necessidade de algum reconhecimento da profissão de Influencer por lei?
Essa pergunta é importante e requer muita atenção, pois remete a questões técnicas, das quais buscarei ao máximo me desprender para que o conteúdo seja melhor e mais compreensível a todos.
Em primeiro lugar, os papéis do Poder Executivo e do Poder Legislativo são distintos, apesar de harmônicos entre si. O recente reconhecimento da profissão do Influenciador Digital, realizado pelo Governo Federal a partir do Ministério do Trabalho e Previdência – MTP, não se confunde com a eventual regulamentação da profissão, que é de competência do Congresso Nacional, essencialmente realizada por Lei aprovada pelos Deputados e Senadores e submetida à sanção do Presidente da República. O CBO do Influencer, registrado sob o nº 2534-10, realiza o reconhecimento no sentido classificatório da existência de determinada ocupação e não da sua regulamentação.
Muito embora a atividade de Influencer não seja ainda regulamentada por Lei, o seu reconhecimento como profissão está em total conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro - que se estabelece a partir da hierarquia entre as normas, harmonizando leis, decretos, portarias etc. O Brasil já reconheceu a legalidade da profissão do Influenciador, a partir da sua inclusão na Classificação Brasileira de Ocupação – CBO, plataforma oficial que nasceu em 1977 como resultado de um convênio firmado entre o País e a Organização das Nações Unidas - ONU, por intermédio da Organização Internacional do Trabalho – OIT, e que vem se desenvolvendo com a publicação de várias Portarias Ministeriais, normas que fazem parte do sistema legal brasileiro.
- Então, não haveria necessidade de aprovação de lei pelo Congresso Nacional para que a profissão do influenciador digital seja legal?
No Brasil, para que determinada profissão seja considerada regular ou até legal, a sua regulamentação por lei não é uma regra. Basta atentarmos para um dado importante: apenas cerca de 68 profissões, das 2.269 ocupações devidamente reconhecidas no Brasil, são regulamentadas por Lei - e isso não as diferencia em seu regular exercício, tampouco nas bases estatísticas de trabalho e de subsídio para a formulação de políticas públicas. Conclui-se, portanto, que tal fato, por si só, não é um limitador, inclusive considerando que a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, que como dito já contempla a figura do Influenciador Digital, tem justamente por filosofia classificar “as diversas atividades profissionais existentes em todo o país, sem diferenciação entre as profissões regulamentadas e as de livre exercício profissional”, conforme consta do próprio sítio eletrônico do Ministério do Trabalho e Previdência – MTP.
Ou seja, há reconhecimento legal da profissão do Influenciador Digital, a partir da iniciativa classificatória brasileira realizada pelo Governo Federal. O que não há, ainda, seria a sua regulamentação que, como visto, não se trata de uma regra, e na prática tem sido cada vez mais tida como exceção pelo legislador. Há questões transversais ao exercício da profissão que poderiam justificar, na visão de alguns, a regulamentação por lei da profissão do influenciador, a exemplo da liberdade de expressão e outras peculiaridades, que muitas vezes tomam lugar de destaque no setor. Num juízo preliminar, no entanto, atraindo o contexto completo do que foi instruído na CBO nº 2534-10 e o arcabouço legal já existente, muitas dessas questões já poderiam ser imediatamente superadas, em benefício direto do influenciador e do mercado de influência. E neste ponto estamos debruçados para consolidar entendimentos multidisciplinares, inclusive jurisprudenciais.
Talvez outras iniciativas sejam consideradas mais relevantes e prioritárias neste momento ao Influenciador Digital e ao mercado do marketing de influência em geral, do que necessariamente a regulamentação por lei desta específica profissão já devidamente reconhecida. Apesar disso, tratamos esta pauta com a máxima importância e interagimos de forma estruturada com os mais diversos parlamentares para que, eventuais providências neste sentido, correspondam aos anseios de todo o segmento, não engessem o mercado e se apresentem como mecanismos promissores.
- Quais outros detalhes poderiam ser abordados em relação ao reconhecimento do Influenciador Digital como ocupação / profissão regular no Brasil?
Não poderíamos deixar de abordar nesta oportunidade mais detalhes meritórios e algumas peculiaridades sobre a CBO nº 2534-10, registro do Influenciador Digital na Classificação Brasileira de Ocupações. A referida classificação do Influencer foi enquadrada ao lado do “Analista de mídias sociais” (CBO nº 2534-05) como um subgrupo de “Profissionais de mídias digitais e afins” (CBO nº 2534), mas restou diferenciada em suas características: “os Analistas de Mídias Sociais exercem suas atividades em empresas das mais variadas atividades econômicas, na condição de assalariados com carteira assinada. Os influenciadores Digitais exercem suas atividades de forma autônoma”.
Isso, por si só, não elimina a possibilidade do influenciador ser contratado com carteira assinada e ser assalariado por empresas, caso assim tenha desejo e se posicione em determinadas negociações, como pode ocorrer sobretudo com os nano e micro influencers (classificações estas, inclusive, que estamos em pleno estudo institucional para auxiliar na padronização). Mas, já pavimenta o majoritário contexto de empreendedorismo cada vez mais latente para os Influenciadores e que vemos como uma prioridade no processo de institucionalização e profissionalização no segmento.
No que tange à formação e experiência, há também diferenças que merecem destaque. A CBO em questão dispõe que, “para o exercício da ocupação de Analista de Mídias Sociais, requer-se no mínimo 3º grau incompleto em comunicação social, marketing ou áreas correlatas”. Já em relação ao Influenciador Digital, “embora não sejam exigidos escolaridade específica, experiência ou formação profissional, a produção de conteúdo é uma das principais habilidades exigidas para este profissional, por estar ligado diretamente ao marketing de influência”.
Há neste ponto em específico diversas questões que geram polêmicas e discussões, em muito acerca do enquadramento do tipo de conteúdo e áreas do saber abordadas pelos influenciadores. Na prática, há dezenas de nichos de influência, como esporte, saúde, mercado financeiro, justiça, tecnologia etc. Alguns detalhes recaem em limitações, como a possibilidade ou não de determinado influenciador abordar conteúdos, sem a devida escolaridade, experiência ou formação profissional. A discussão é ampla e conveniente, sobretudo considerando as múltiplas responsabilidades civis e penais que naturalmente também recaem aos influencers. E, neste ponto em específico, atuamos para colaborar mercadologicamente através de iniciativas como a autorregulamentação associativa.
- Atento aos avanços citados, em quais áreas o setor do marketing de influência ainda precisaria avançar?
Certamente, há múltiplas áreas que carecem de avanço em todo o ecossistema do marketing de influência. Na mesma linha da realização de um recorte com enfoque nos Influenciadores, destacaria sem sombra de dúvidas, o fomento ao empreendedorismo como uma prioridade.
A atividade dos Influencers, apesar do reconhecimento legal como profissão denotar numa primeira abordagem todo um contexto empregatício, em majoritária parte é associada ao poder do empreendedorismo e à conquista da liberdade financeira, numa visão um tanto quanto alheia ao mercado tradicional. É este cenário que atrai atenção sobretudo dos jovens.
Assim, por mais que o reconhecimento do Influencer como profissão seja um fator por demais positivo e estabeleça uma nova fase institucional com novas oportunidades para o setor, há ainda outras conquistas a serem consolidadas e que carecem de especial atenção, a exemplo de se tornar uma das atividades passíveis de registro direto como Microempreendedor Individual – MEI.
Destacamos, também, como pretensão necessária a previsão direta do Influencer no rol da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, a propiciar o registro de empresa, a ampliação do escopo de negócios e até o enquadramento fiscal que leve em consideração as mais diversas particularidades previstas no exercício da referida atividade profissional e privilegie a sua formalização. Assim, todos ganham em segurança, credibilidade e institucionalidade com reconhecimento social.
- Como a Abrid tem atuado para a profissionalização da área?
A Associação Brasileiras de Influenciadores Digitais – ABRID nasce tendo como finalidade principal ordenar e promover o fortalecimento, de forma estruturada e estratégica, do ambiente institucional e mercadológico no contexto das redes sociais e do mundo digital, congregando seus protagonistas e parceiros. Com um olhar multissetorial para o segmento e propósito de estabelecer a mais ampla cooperação nacional e o engajamento internacional, atuamos pela institucionalização e profissionalização dos Influenciadores Digitais e do mercado de influência em geral.
Nosso objetivo é conectar influenciadores digitais que valorizem a excelência, o profissionalismo, a ética e a legalidade, não só entre si, mas perante os demais stakeholders do marketing de influência. Da análise de tantos dados e informações, ao menos uma conclusão fica à evidência: a atividade do Influenciador Digital pode até parecer, mas não é nada simples. Demanda profissionalismo e, em elevado grau, perfil empreendedor, para que se estabeleça e se consolide no mercado, independentemente do número de seguidores, do alcance e engajamento social.
É importante destacar que a iniciativa classificatória da profissão junto ao Governo Federal se deu por fomento direto da Associação Brasileira de Influenciadores Digitais – ABRID, a partir inclusive de atuação destacada do nosso conselheiro David Kubiac, e se consolidou após a realização de engajamento colegiado e extenso estudo técnico sobre as atividades e o perfil da categoria, trazendo inclusive como sinônimos da ocupação de Influenciador Digital, os termos criador, gerador ou produtor de conteúdo digital, e o próprio Influencer, em inglês. Consideramos essa entrega extraordinária e caminhamos para que o processo seja amadurecido e continue em plena evolução.
Destacamos a interface institucional da Abrid perante entidades como o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (IPEA), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Comissão Nacional de Classificação (CONCLA), dentre outros, vinculados ao Ministério da Economia e outras pastas temáticas, para atividades e ações diversas, a exemplo da realização de consultas e geração de estatísticas e fomento à padronização das atividades de influenciadores digitais junto à Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).
A Abrid também está em processo de estruturação de ampla parceria e cooperação com o Sebrae, justamente para incentivo e fomento ao empreendedorismo para o Influenciador Digital, abrindo caminho para a profissionalização de micro e pequenos empresários e para a criação de startups. Além disso, temos como missão nos posicionarmos como interface institucional junto às gestoras das redes sociais e das principais plataformas no mundo digital, para mútuos apoios no dia-a-dia e atividades periódicas como encontros, simpósios, seminários, congressos, convenções, conferências, expo, reuniões, intercâmbios, dentre outras.
É inconteste que o Influenciador conquistou espaço e relevância na sociedade e no mundo digital. Agora, caminhamos para consolidação profissional e fomento ao empreendedorismo; para continuar avançando a passos largos rumo ao desenvolvimento, crescimento e ainda maior destaque.
- Quais as principais tendências para a área?
Estamos a falar de um mercado que não apenas é uma forte tendência, mas também uma grande realidade. Cerca de 75% dos jovens brasileiros querem ser influenciadores digitais, de acordo com recente pesquisa realizada pela Inflr, tornando-a uma das profissões mais desejadas atualmente, por unir receitas financeiras a um estilo de vida que gera interesse de milhões de pessoas. O Brasil e a sociedade em geral não podem fechar os olhos para isto, sobretudo quando diante de dados que remontam a mais de 1 milhão de pessoas que se consideram e vivem como influenciadores digitais, num contexto de mais de 20 milhões de pessoas em potencial no referido ecossistema. Números esses que pretendemos, também, auxiliar a consolidar e a gerar estatísticas cada vez mais fidedignas.
O movimento é global e, em ritmo ainda mais acelerado, se consolida internacionalmente. Não há pretensão, aqui, de tratar o mercado dos Influencers como um fenômeno recente, pois relativamente não o é, sobretudo levando em consideração os notórios avanços da tecnologia e os desafios da inovação, que caminham a passos largos para as soluções da chamada web3 e da virtualização do mundo, a partir do metaverso – apesar da tendência dos influenciadores também terem papéis protagonistas nessas plataformas.
Vale citar que a CBO nº 2534-10 que reconheceu a profissão, listou 20 habilidades e competências pessoais recomendadas para a atividade de Influencer, como potencial de networking; capacidade de comunicação; de tomar decisões; de antever impacto de mudanças e riscos; de antecipar cenário futuro; de contornar situações adversas; de demonstrar credibilidade; retórica; proatividade; criatividade; iniciativa; organização; observação; raciocínio analítico; síntese; empatia; dinamismo; adaptabilidade; saber ouvir; e ser resiliente.
O exercício profissional do Influencer compreende, ainda de acordo com o estudo constante da CBO, 79 atividades distribuídas em 7 eixos macros, quais sejam: (a) realizar gestão das redes sociais; (b) monitorar mídias sociais; (c) elaborar planejamento estratégico de marketing digital; (d) desenvolver produção de conteúdo; (e) gerenciar marketing de influência; (f) administrar atividades de relacionamentos com público/seguidores; e (g) gerenciar resultados de avaliação de desempenho.
Esses são dados meritórios e institucionalizados pelo Governo Federal que são capazes de ilustrar as principais tendências para o mercado de marketing de influência.
É importante dizer, ainda, na medida que – também por força constitucional, em atenção ao seu art. 227 – é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade inclusive à criança, ao adolescente e ao jovem, o direito à profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade, além de atuar contra toda forma de negligência e discriminação, o reconhecimento do Influenciador Digital como profissão ampara, valoriza e inclui parte considerável da sociedade, que passa a ter uma importante âncora legal. Mais ainda, também, o seu alcance como braço forte do empreendedorismo há de gerar grandioso impacto em todo o mercado.
E a Associação Brasileira de Influenciadores Digitais - ABRID se posiciona justamente para bem cumprir essas e outras missões e desafios, exercendo com excelência seu papel institucional como facilitadora e auxiliar perante todos os stakeholders do mercado de influência.
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*Sóstenes Marchezine é advogado, com especialidade acadêmica e atuação profissional em direito empresarial e penal e extensão universitária em direito digital e proteção de dados. É um dos idealizadores e co-fundador da Associação Brasileira de Influenciadores Digitais – ABRID.